A profissão de catador é reconhecida como categoria profissional, oficializada na Classificação Brasileira de Ocupações, desde 2002, entretanto, as condições de trabalho das pessoas que exercem esta profissão dentro dos lixões e aterros controlados espalhados por todo Brasil é degradante e desumana.
Com o reconhecimento do trabalho dos catadores em diversos pontos da Lei 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, acreditávamos que este cenário iria mudar. Afinal a lei diz que os municípios devem acabar com os lixões e construir aterros sanitários até agosto de 2014 e prevê a inclusão dos catadores nos sistemas de coleta seletiva e logística reversa a partir da criação de cooperativas.
Entretanto, com o conhecimento e aprendizado adquirido através destes três anos de trabalho de educação ambiental em prol da coleta seletiva na minha cidade - Rondonópolis/MT, com constante contato com os catadores da Coopercicla (Cooperativa de Rondonópolis), como também com catadores de outros estados e a participação em palestras, cursos e eventos sobre gestão de resíduos sólidos, entendi que nada vai mudar, se não conseguirmos fazer com que os gestores públicos e a população entendam que para que as cooperativas consigam sobreviver é urgente a valorização e a remuneração dos catadores pelos serviços ambientais que eles nos prestam.
Digo isto, porque as cooperativas não conseguirão sobreviver só com a venda dos resíduos recicláveis que chegam até elas. Os resíduos recicláveis têm valores muito díspares, enquanto a garrafa pet vale cerca de R$ 1,30 por quilo, o papel misto é negociado a R$ 0,05 (em Rondonópolis), e o alumínio que tem melhor valor de mercado, dificilmente chega nas cooperativas. Desta forma, a venda de todo material passível de reciclagem, muitas vezes, mal dá para remunerar decentemente os cooperados ( várias pesquisas mostram que os catadores em cooperativas ganham menos de um salário minimo), não sobrando nada para manutenção ou investimento em equipamentos, máquinas e barracões.
Não estou defendendo o assistencialismo, mas sim, a devida valorização do trabalho do catador, afinal segundo estudos do Ministério do Meio Ambiente o Brasil recicla em torno de 30% do que consome, um índice pequeno, mas que só é possível graças à coleta praticada nas ruas e lixões pelos catadores. Então se pagamos milhões para as empresas de saneamento, que tiram o lixo da porta da nossa casa e enterraram em lixões, provocando danos a nossa saúde e ao meio-ambiente, porque não pagarmos para os catadores que estão nas cooperativas o mesmo valor pelos resíduos recicláveis que eles enviam para as indústrias?
Para maior compreensão de como isto pode funcionar, vejam no texto abaixo como funciona o sistema de Coleta Seletiva Solidária em Natal/RN:
Como funciona a Coleta Seletiva Solidária em Natal/RN
Funcionário da URBANA explica funcionamento da
coleta seletiva
por Heverthon Rocha, URBANA
Fonte: site Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis
1. DE QUEM É O CONTROLE DO
PROGRAMA?
Em Natal o programa de coleta seletiva é mantido
sob observação da Companhia de Serviços Urbanos de Natal (URBANA) e o controle
é compartilhado entre gestor público e cooperativas. As cooperativas detém o
controle dos trechos e a independência operacional de coleta, transporte e
triagem. O gestor público é responsável pela fiscalização do cumprimento dos
serviços conforme trechos apresentados pelas cooperativas. O objetivo é tornar
as cooperativas autossuficientes para atuarem como empresas que prestem
serviços profissionais ao município.
2. DE QUEM É A ESTRUTURA DA CENTRAL DE TRIAGEM?
Os galpões de triagem, cinco ao todo, são da URBANA
e estão cedidos às duas cooperativas por meio de Termo de Cessão com validade
até o ano de 2021, cabendo toda e qualquer manutenção e preservação dos espaços
a cada cooperativa que ocupa o lugar.
3. COMO É A ESTRUTURA DA CENTRAL DE TRIAGEM?
Os galpões de triagem ficam dentro da estação de
transbordo que recebe diariamente os resíduos da cidade. São equipadas com
energia elétrica, água e telefone, estes fornecidos pela URBANA. Os galpões
instalados na estação de transbordo facilita o descarte dos rejeitos oriundos
da coleta, bem como a nossa fiscalização, tendo em vista que todos os resíduos
que entram e saem dos galpões são pesados e registrados em nosso sistema por
tipo, origem e destino.
4. COMO FUNCIONA O PROGRAMA?
O programa teve início no ano de 2004 com a
desativação do Lixão de Cidade Nova. Naquela época os catadores que viviam da
coleta de resíduos no lixão foram inseridos num programa criado pelo Município.
Neste trabalho que contou com o apoio do Ministério Público Estadual foi
acordado que todos os catadores de materiais recicláveis oriundos do lixão
seriam inseridos em associações e apoiados pela URBANA com a cessão de galpões,
caminhões e outros equipamentos. Atualmente o programa funciona nas modalidade
PORTA-A-PARTA, PICS e por cumprimento de decretos Federal e Municipal. Para
atuar na coleta seletiva, as cooperativas de catadores assinaram TERMO DE
PERMISSÃO que foi renovado em fevereiro com prazo de validade até o ano de
2022.
5. COMO É EFETUADO O PAGAMENTO AOS CATADORES?
O pagamento é efetuado por faturamento, seguindo
todos os procedimentos administrativos/financeiros previstos, tais como
apresentação de nota fiscal, certidões, apresentação de relatórios de visitas,
relação de cooperados e recolhimento de impostos (ISS, INSS e etc.).
Dentro da realidade local é paga as cooperativas
pelos serviços os seguintes valores por tonelada:
DESCRIÇÃO DOS SERVIÇOS
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Quantidade Mensal Estimada
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Unidade
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Valor Unitário
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Valor Mensal Estimado
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Visita em cada domicílio, limitada a 04 (quatro)
visitas mensais, com pagamento mensal, para a entrega aos munícipes dos sacos
verdes para separação do lixo reciclável e entrega do material de campanha de
sensibilização ambiental.
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10.000
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Unidade
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R$ 0,05
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R$ 500,00
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Coleta de resíduos reciclados.
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300
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Tonelada
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R$ 93,42
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R$ 28.026,00
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Transporte de resíduos reciclados.
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300
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Tonelada
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R$ 20,79
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R$ 6.237,00
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Manutenção dos serviços de coleta seletiva de
forma a não comprometer a continuidade do serviço público e pelo aumento da
longevidade do aterro e diminuição do impacto ambiental.
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300
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Tonelada
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R$ 46,52
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R$ 13.956,00
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Total Geral Estimado
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R$ 48.719,00
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6. "...O município irá pagar ao catador o mesmo preço
pago pela coleta, transporte e destino final dos resíduos..." - QUANDO SE REFERE
"AO MESMO PREÇO PAGO PELA COLETA", ESTÃO SE REFERINDO A QUE TIPO DE
COLETA? DOMICILIAR OU SELETIVA?
As cooperativas são pagas pelos serviços COLETA
SELETIVA nas modalidades porta-a-parta, PICS e em órgãos públicos em
cumprimento aos decretos Federal (5.940/2006) e Municipal (9.615/2012). A
coleta domiciliar, em nosso entendimento, é a coleta de resíduos não servíveis
e sem capacidade de reciclabilidade ou reaproveitamento.
7. QUEM FAZ A COMERCIALIZAÇÃO: A URBANA OU AS
COOPERATIVAS? ONDE É FEITA A ARMAZENAGEM DO MATERIAL A SER COMERCIALIZADO E
QUEM É RESPONSÁVEL?
A comercialização dos resíduos é realizada pelas
próprias cooperativas de catadores, sendo que a URBANA apenas registra os dados
de saída dos materiais para venda.
Antes da venda os resíduos são armazenados nos
galpões, isso é feito logo após o processo de triagem, cabendo aos cooperados
indicados pelas cooperativas a responsabilidade por tal ação (comercialização).
8. "...a rota dos caminhões que atuarão no
local..." - A COLETA É FEITA PELA PREFEITURA (URBANA) COM FUNCIONÁRIOS DA
PREFEITURA OU PELAS 2 COOPERATIVAS?
Pelas cooperativas. É para isso que a URBANA
contratou as mesmas, conforme quadro apresentado na questão 5.
9. COMO OS COOPERADOS DAS 2 COOPERATIVAS SÃO REMUNERADOS?
A remuneração é feita por rateio de produção e é
realizado pelas cooperativas, sendo que as relações de repasse são obrigatórios
de serem enviados para URBANA.
10. A COLETA FEITA PELOS CATADORES EM DIAS DIFERENTES A
COLETA DA URBANA É FEITA COM CARROÇAS? QUEM DETERMINA O ROTEIRO DOS CATADORES?
A coleta é feita em dias alternados em algumas
comunidades e em outras coincide com a coleta da URBANA conforme roteiros
pré-estabelecidos entre URBANA e COOPERATIVAS, mas como existe uma relação de
proximidade entre catadores e população, os resíduos recicláveis não são
colocados nas calçadas, são entregues diretamente aos catadores.
Já as outras modalidade (PICS e Decretos) são
realizadas em dias acordados entre cooperativas e órgãos públicos, empresas e
outros.
11. PORQUÊ OS CATADORES NÃO SÃO ABSORVIDOS PELAS 2
COOPERATIVAS E PERMANECEM "PUXANDO" CARROÇA.
Muitos catadores não cooperados, os quais chamamos
de “avulsos”, não estão dispostos a assumir responsabilidades que são previstas
nos regimentos internos das cooperativas tais como horários, entrega de todo
material coletado e hierarquias. Segundo os próprios, preferem trabalhar de
forma independente pois vão para rua nos dias que querem e não precisam
trabalhar todos os dias.
Temos em Natal três tipos de catadores de materiais
recicláveis:
1. Catador cooperado;
2. Catador Avulso (carrinheiro);
e
3. Catador Carroceiros (tração
animal).
12. EXISTE ALGUM INCENTIVO DA URBANA OU DAS 2 COOPERATIVAS
PARA INSERÍ-LOS NAS COOPERATIVAS JÁ QUE A QUANTIDADE DE MATERIAL É MUITO PEQUENA
(MESMO QUE A CS SEJA IMPLANTADA NO ESTADO DO RN INTEIRO, COM CERTEZA NÃO
CHEGARIA NEM PERTO DA QUANTIDADE DE MATERIAL PASSÍVEL DE RECICLAGEM DE 1
SUBPREFEITURA DE SP COMO POR EXEMPLO, BUTANTÃ).
Em Natal estamos realizando o programa CATAFORTE
com vistas ao associativismo e cooperativismo para inserir estes catadores
avulsos e carroceiros nas cooperativas. Mas ainda existem uma resistência
grande, mesmo com a abertura das cooperativas para receber estes profissionais
da reciclagem.
A URBANA também está desenvolvendo um projeto para
acabar com as carroças de tração animal e inserir os profissionais nas
cooperativas com utilização de veículos leves de transporte.
13. OS EDUCADORES AMBIENTAIS SÃO DA URBANA, DAS 2
COOPERATIVAS OU CATADORES?
As ações de educação ambiental são realizada em
parceria entre URBANA e cooperativas, temos 12 educadores ambientais que atuam
em ações de oficinas de reaproveitamento, teatro e ações de sensibilização
porta a porta.
É importante destacar que todas as ações que dizem
respeito a coleta seletiva são realizadas com a participação de educadores da
URBANA e catadores que visitam as residências, empresas e órgãos públicos, numa
ação de integração e construção mútua dos processos de coleta seletiva em
Natal.